• O outro lado da moeda: a pessoa abusiva no relacionamento.

     

    Na minha prática clinica eu me deparo com pessoas e com as mais diversas histórias que vocês possam imaginar. Uma das premissas da filosofia humanista, na qual a Gestalt-terapia embasa seu trabalho, diz que “nada que é humano, me é estranho”. Isso quer dizer, na prática, que temos que compreender a individualidade da vida de cada pessoa e não achar que isso é a coisa mais bizarra do mundo.


    No consultório eu já recebi pessoas que sofreram com relacionamentos abusivos. A pessoa que sofreu o abuso chega com uma bagagem difícil, que precisa ser ressignificada para poder seguir em frente com sua vida e fazer escolhas mais assertivas em no que diz respeito a sua vida relacional.



    Por outro lado, já recebi em meu consultório o outro lado da moeda: o abusador. Muito se fala sobre a vítima do relacionamento abusivo, rara às vezes vejo uma tentativa de compreender o abusador. E ao me deparar com uma pessoa abusiva no meu consultório e ver “o outro lado” da história, eu entrei em conflito, não vou mentir:  não foi fácil. Compreender que aquela pessoa na minha frente também é humana e que está ali na minha frente em busca de ajuda, foi difícil.  Mas percebi também que o abusador sofre também nos relacionamentos onde ele mesmo é o algoz.


    Mesmo com a chantagem emocional, com a busca por um controle rígido sobre o outro, tudo isso não é um indicativo de ausência de sofrimento que o abusador vive. E na maioria dos casos é um sofrimento vivido que não é percebido – nem por ele, nem por outros. Pode ser um sofrimento causado pelo medo de ser abandonado ou rejeitado, um sofrimento por achar que é pela força e pela coerção que ele vai fazer o outro amá-lo, porque de alguma forma na vida dele, ele aprendeu que isso é amor. E no fundo, ele sabe que não é; e é aí que o sofrimento se instala.


    Isso não muda o fato de que o abusador é responsável por suas atitudes. Ele não deve e não pode ser eximido de sua responsabilidade, pelo seu comportamento. Mas ele precisa ser compreendido também, para que ele possa perceber  que controlar, magoar, machucar o outro, é uma forma ADOECIDA de se relacionar. Geralmente o que vejo é um movimento de crucificação para com o abusador: ele é julgado, excluído, tratado como nada. Isso não produz efeito positivo algum. Isso apenas acentua a maneira adoecida de existir da pessoa que muito provavelmente, durante sua vida não foi ouvida nem compreendida por ninguém. Querendo admitir ou não, todos nós buscamos ser compreendido pelo outro de alguma forma. E quando o abusador não é ouvido e compreendido na sua existência e é apenas julgado, a ferida que já está ali, cresce ainda mais e o comportamento abusivo se mantém. O movimento precisa ser de escuta, de compreensão do abusador – o que não significa a aceitação do seu comportamento abusivo.


    O que tenho percebido é que o abusador não percebe seu comportamento abusivo como prejudicial. Em que momento da vida ela associou que o outro o ama na mesma medida em que é capaz de suportar a dor por ele causada? A não ser que a pessoa sofra de transtorno de personalidade antissocial (conhecido como “psicopata”), onde ele não demonstra empatia ou compaixão pelo outro de forma consciente, o abusador não tem a total consciência de que o que ele faz é errado. A questão é: o que acontece que ele não consegue perceber esse erro?


    O abusador precisa ser ouvido também. Eu acredito que a pessoa tenha a capacidade de se desenvolver positivamente, de mudar seu comportamento e sua forma de relacionar, a não ser que seja uma escolha deliberada e consciente em fazer o outro sofrer.

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    Gustavo Vinicius Martins Leal

    Psicólogo (CRP - 23/1833), Gestalt-Terapeuta


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